quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Olhares e Ouvidos Atentos


Estava eu com pensamentos vagos e inquieta por estar sendo observada por um homem. Sabe aquele sujeito com cara de pai de família , mas que deixa vazar no olhar seus desejos momentâneos , inquietantes e pavorosos? Pois este era o dono dos olhares! Eu estava sentada, ele em pé, a cada investida de olhares que eu sofria, me dava uma angústia o que me fazia pensar o seguinte :

'' ESSE CARA VAI APRONTAR! E SE ELE DESCER NA MESMA ESTAÇÃO QUE EU? TENHO QUE PENSAR EM UMA MANEIRA DE ME LIVRAR CASO ELE ME SIGA. ESTOU EM DESVANTAGEM AQUI DENTRO, PRIMEIRO PORQUE SOU MULHER, E ISSO NÃO VAI MUDAR NUNCA, SEGUNDO PORQUE ESTOU SENTADA O QUE FAZ DELE O DOBRO DE MIM. PRECISO LEVANTAR E DIMINUIR ESSA DESVANTAGEM, NÃO SERÁ MUITA COISA, MAS PELO MENOS PARO DE PENSAR NESSA MERDA DE DESVANTAGEM.. SE ELE QUISESSE FAZER ALGO NÃO SERIA AQUI DENTRO, ENFIM, DANE-SE! VOU LEVANTAR, PELO MENOS PRA ME ACALMAR E ME SENTIR DE IGUAL PRA PARECIDO ( ri de mim).MAS SE EU LEVANTAR AGORA, AS PESSOAS VÃO ESTRANHAR E ELE VAI PENSAR SABE-SE LÁ O QUÊ?!AFINAL, O TREM DEU PARTIDA AGORA E EU SÓ SAIREI DAQUI DE DENTRO DAQUI A MAIS OU MENOS 45 MINUTOS. PRECISO VER ALGUÉM, ALGUMA PESSOA COM IDADE AVANÇADA, COM CANSAÇO NA POSTURA , PRA EU CEDER O LUGAR, NÃO ESTAREI SENDO GENTIL COMO COSTUMO SER , MAS NESSA SITUAÇÃO NÃO PODERIA SER DIFERENTE E AFINAL, NINGUÉM VAI SABER QUE NÃO FOI UMA QUESTÃO DE GENTILEZA!''

Não vi ninguém que merecesse minha disfarçada gentileza, até que, uma mulher de meia idade parou ao meu lado, em pé , na porta do trem. Perfeito!(exclamei dentro de mim). Ela estava com um olhar cansado e adotou uma postura que refletia , talvez, seu exausto dia de trabalho. Olhei para ela e com um tom de voz suave ( pra dar ênfase ao ato gentil) falei: “ - Oi, boa noite, a senhora gostaria de sentar-se?” Ela, com incerteza na voz respondeu : “ - Não , minha filha, você sentou aí agora. Não se incomode comigo!”, eu sorri e disse : “- Não há incomodo, mas a senhora fique a vontade caso mude de idéia.”, ela colocou a mão no meu ombro esquerdo e finalizou o breve diálogo dizendo : “ - Quando você for descer, eu me sento no seu lugar, pode descansar sossegada aí.” Deu-me aquela piscadinha que usamos como código e sorrimos uma para a outra.
Eu não quis insistir, pensei que se fosse insistente, ela acharia que eu estava vendo-a como uma idosa, afinal, a pouca educação que sobrou nas pessoas , foi para com os velhos , deficientes e gestantes, isso quando há gentileza. E ela não vestia o perfil de nenhum deles, era apenas uma mulher cansada. Findou-se ali a minha egoísta gentileza.

A lembrança do homem veio junto com a sensação de estar sendo observada e meu plano de ficar no mesmo nível, com a mesma linha de altura havia falido. O que fazer? Por menos que a gente queira olhar, sempre olhamos quando somos fitados com tanta insistência. Mas por medo dele achar que estava sendo correspondido, procurei me ocupar, foi aí que lembrei do meu caderno e comecei a escrever sobre algo que tinha acabado de acontecer ali na Central do Brasil. Dei como titulo a seguinte frase : “ O TREM DAS 20:20”, narrei o episódio que ainda estava a observar, era a história viva diante dos meus olhos atentos.Ali esqueci daquele sujeito, dos demais e daquela senhora. Acabei de narrar e ainda faltavam três estações para chegar a estação de Nilópolis. O que mais eu faria agora? Não queria olhar pra aquele cara! Já estava com a caneta na mão, o caderno no colo, só faltava um pouco de inspiração, não demorou muito e ela veio quase que no mesmo instante em que me lembrava de coisas boas. Pus-me a escrever um soneto, sem titúlo.Findado o soneto, levantou-se um senhor que estava sentado ao meu lado direito, ele desceria em Olinda,e logo após seria a estação de Nilópolis, então coloquei-me de pé, quase no mesmo instante em que me levantava, aquela senhora sentou-se no lugar do homem de Olinda. Ela me agradeceu pelo que ELA não me permitiu ser e me fez uma pergunta : “ - Minha filha, posso ser indiscreta?”, sorri e disse : “ - Fique a vontade, mas não exagere!” ( Dei permissão, mas fiquei com receio), então a mulher de olhares cansados fez o seguinte comentário :
“ ADOREI SEU TEXTO DO TREM DAS 20:20, PRINCIPALMENTE DA COMPARAÇÃO QUE FEZ COM CORRIDAS DE OBSTÁCULOS, COVAS, ME SENTI LENDO UM LIVRO, PENA NÃO PODER LER OS PRÓXIMOS CAPITÚLOS.” Sorri sem graça e agradeci, pensei : “ Ainda bem que não vai ler o próximo capitulo, pois você estará nele.”

Ela deve ter pensado que desci ou sei lá o que se passou pela cabeça dela, o fato foi que a mulher começou a contar a minha estória, com tanta riqueza de detalhes que fazia os ouvintes olharem pra mim. Pensei : “ Merda! Espera eu descer caramba, tô com vergonha, droga! Agora não é só aquele homem que me observa,graças a senhora metade do vagão está me olhando. A senhora teve a sorte de me ver por dentro, de conhecer meus pensamentos e está fazendo questão de dividi-los com pessoas que não faço a menor questão de me expor, do contrário eu não escreveria, narraria como a senhora está fazendo. Socorrooooo!”

Não fiquei chateada com ela,acho que só quis dividir com as pessoas o que ela gostou, mas a questão é que olhares me deixam nervosa, e o que me deixa mais nervosa ainda e sentir e trocar olhares enquanto expresso o que sinto. Enfim, desci em Nilópolis e sobre os trilhos, foram embora os olhares e ouvidos atentos.

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